quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

AS SUBVENÇÕES E O ACÓRDÃO

A) O Acórdão(Ac.)nº 3/2016 de 13.01.2016 do Tribunal Constitucional (TC) gerou controvérsia por ter declarado a inconstitucionalidade de normas do Orçamento do Estado-OE(2015) relativo ao regime de subvenções vitalícias atribuídas a ex-titulares de cargos políticos. Este regime dependia de uma restrição - a chamada condição de recursos. No essencial tal significava que um ex-titular de cargo político quando auferisse mais de 2000€ em média mensal, calculada nos termos da lei, deixava de fruir da subvenção. O que decidiu então o TC? Que a restrição do OE era inconstitucional. A subvenção vitalícia assumia assim a sua feição integral passando a funcionar sem a restrição constante do OE. 
O Ac. assumiu mais relevo por ter sido publicado nas vésperas da eleição presidencial, por alguns candidatos salientarem que, se fossem eleitos, jamais peticionariam uma tal subvenção ou que a mesma era simplesmente de repudiar. Tudo bem, e cada qual procede como entende. Entre os que haviam requerido a declaração de inconstitucionalidade figurava a candidata Maria de Belém.
O Ac. foi votado por maioria com 8 votos a favor num conjunto de 13 conselheiros. Houve por isso 5 declarações de voto. As declarações de voto podem abranger: -votos de concordância acrescentando outros motivos para além dos referidos no acórdão; -votos de discordância com a decisão final;  -votos de discordância com os motivos mas concordando com a decisão e -votos de discordância com a decisão final. Vem esta referência a talhe de foice para significar que a figura de declaração de voto não é de molde a tirar força de validação à decisão judicial. E esta validação é essencial para imprimir certeza ao direito. O douto Ac. vale por si e de aplicação imediata.

Ultrapassa o propósito deste post estar a proceder à apreciação ou análise do Ac. em apreço. O que aqui se visa é apenas reconduzir o seu impacto ás suas justas proporções e de certo modo interpretar o alcance e o significado da onda de indignação insurgente que se lhe seguiu. Segundo clarificou o Sr. Presidente do TC, o Ac. não teve em vista tomar posição sobre se as subvenções são justas ou se deviam ou não ser pagas. O Ac. veio no entanto clarificar a motivação subjacente à atribuição da subvenção tal como decorria da lei, o que não repugna à Constituição da República (artigo 117º.2.).

(Anote-se que a figura de subvenções foi criada em 1985 pela lei nº 04/85 de 09 de Abril sendo que este regime foi até eliminado em 2005 pela lei nº 52-A/2005 de 10 de Outubro.Neste intervalo, tanto a lei como o regime de subvenções conheceram 6 versões distintas). Para o Ac. estas subvenções podiam não ter sido atribuídas, mas foram-no. O legislador ao atribuí-las agiu livremente e dentro desta liberdade podia alterar as posições que assumiu nesta matéria. Só que ao fazê-lo de modo como o fez no presente caso (sujeição à condição de recursos), violou o princípio de confiança dos peticionantes, ex-titulares de cargos políticos.
Mas diz-se no Ac. "O legislador não fica preso em quaisquer circunstâncias, à opção que tomou no passado, podendo legitimamente prosseguir reforçar a revisão restritiva do regime de subvenções afectando inovatoriamente a posição de quantos eram beneficiários ......o ponto decisivo consiste em saber se a restrição do OE/2015 nesta matéria foi desenhada de forma adequada às exigências constitucionais....... A nossa resposta é negativa". Assim sendo, o legislador poderá alterar a posição quanto às subvenções, mas não eliminá-las, sob pena de violar o  princípio de confiança dos destinatários que a Constituição consagra no seu artigo 2º. Nesta óptica a subvenção tem uma natureza compensatória, a sua razão perspectivada como uma recompensa por uma actividade entendida como um sacrifício e entrega pessoal à causa pública. À partida nada ou pouco teria a ver com a "condição de recursos" de que o ex-politico fosse titular. 

B) As reacções que se fizeram sentir, decorrem de um circunstancialismo variado. Em primeiro lugar, porque não são conhecidos casos de indigência ou de carência económica que afectem os ex-políticos sem obviamente por em causa as dificuldades económicas por que eventualmente possam passar, como aliás pode suceder com a generalidade dos cidadãos deste país. Em segundo lugar, é entendimento corrente que quem exerce actividade política é porque quer ou porque pode. Avaliando os prós e os contras da sua vida pessoal em todos os sentidos - pessoal, familiar, social e económica - faz a sua opção, pouco correspondendo à verdade dos que dizem que perdem dinheiro enquanto estão na política. É sabido que o tempo de exercício de actividade política assegura o retorno ao cargo anterior a que acrescem as remunerações e compensações que são atribuídas aos titulares no exercício do cargo político. Só forçadamente ou por expressiva raridade se poderá dizer que um político é-o por sacrifício, pese embora se reconheça a plenitude de dignidade e consideração pela função exercida. Constata-se mesmo que uma parte apreciável são profissionais com cursos superiores ou exercem profissões liberais ou do empresariado, pelo que a atribuição de subvenções passa a ser algo idílico. Em terceiro lugar, há que não menosprezar a situação de contenção e e a política de austeridade que vem sendo seguida no país, do que resulta revestir-se de uma ostentação atribuir e encontrar justificação para essas subvenções. 
Ter direito pode nem sempre ser sinónimo de justo embora juridicamente o possa ser. É neste patamar que a vertente reactiva ocorreu. 

Na mesma linha de apreciação se inserem as regalias, para não dizer outra coisa, de que beneficiam os Srs. Ex-Presidentes da República (Lei nº 26/84 de 31 de Janeiro), estas ténuamente referidas no douto Ac. Por mais alto e destacado que tenha sido o cargo, e mesmo que lhes caiba o papel de Conselheiros de Estado, não é de molde a justificar a atribuição de um gabinete, carro, uma secretária, um assessor, uma viatura com condutor e combustível. Pouco faltaria a atribuição de uma moradia. Estas atribuições nada tem a ver com a importância do cargo que desempenharam já que a sua projecção se esgota com a magistratura que exerceram e não é aferida uma expressa mais valia futura para o país. Qualquer actividade que venham a exercer terá que ser e geralmente o é em nome próprio; qualquer despesa que fizerem é em benefício próprio, em pé de igualdade com qualquer cidadão, Dos insignes personagens que conhecemos, são normalmente de posses capacitadas, com meios para disporem daqueles requisitos a custa própria quando necessitarem. O que acaba de se dizer é tanto mais oportuno quanto é certo vivermos num país com as dificuldades que tem.
Não é que o erário público se vá enriquecer muito mais caso estas regalias não sejam atribuídas. Trata-se apenas de princípios de um regime democrático, onde o que cada um beneficia tem a sua razão de ser, a sua necessidade e a sua vivência.     

domingo, 17 de janeiro de 2016

AS FÚRIAS DO FUTEBOL - OS PERIGOS


Há quem diga que a fobia do futebol é pior que no tempo de Salazar, quando fazendo grupo com o Fado e Fátima, contribuía para a alienação do povo, nomeadamente se desinteressando ou esquecendo que vivia num regime autoritário. O regime democrático que se seguiu ao 25 de Abril de 1974 veio demonstrar que a existência daquelas três manifestações nada tem a ver com a natureza de regimes políticos, particularmente se atendermos as novas modalidades em que se evidencia a correspondente evolução. Quanto ao Fado, manifestação artística e musical basta só atentar na maior qualidade dos seus e suas intérpretes (não menciono nomes para não falhar com qualquer omissão); quanto a Fátima, pese embora a sua afluência ser cada vez maior ao respectivo santuário, tal decorre sobretudo pelas difíceis condições materiais e emocionais da vida, na esperança de que melhores dias possam advir por graça e força da divindade em que se crê; quanto ao Futebol, é só apreciar a tecnicidade e virtuosismo dos jogadores e a destreza dos treinadores, formando equipas cada vez mais qualitativamente combativas para o gáudio dos adeptos e capacitação clubista, dando a alguns clubes até a possibilidade de competir no mercado bolsista. 
Se nada há a assacar de negativo aos primeiros dois FF, já o mesmo se não dirá quanto ao terceiro F. nomeadamente quando tal modalidade desportiva, considerada desporto-rei, é usada ou serve conscientemente como via para atiçar animosidade e sublevar ânimos. É atendível que num desafio, num campeonato ou num jogo competitivo sempre se queira ganhar o adversário, Os treinadores e os representantes máximos dos clubes, particularmente os mais cotados, sabem muito bem a força da afeição clubista que geralmente caracteriza o correspondente adepto. Este, melhor que ninguém será o consciente apreciador de como na sua óptica, o jogo decorreu, as falhas ocorridas, o autor ou autores das falhas e a crítica daí decorrente a atribuir ao responsável do acto praticado. Este é o "behaviour" normal que é de esperar de um adepto normal. E por cá se deve ficar, pois nenhum clube deseja adeptos de mentes doentias.
Ora é precisamente nesse ponto que cabe uma fulcral responsabilidade aos máximos responsáveis dos clubes e treinadores de equipas nos comentários e declarações que prestam no rescaldo de um jogo onde a respectiva equipa foi menos feliz, A fala que desenvolvem nesta ocasião, particularmente quando estão na presença de microfones e câmaras de TV mais parece o bate papo a uma mesa de café. Parecem esquecer a sua postura de responsáveis quando fazem imputações e comentários sobretudo relativamente ao árbitro. Ora um árbitro é sempre uma autoridade em cuja capacidade se confia para dirigir um jogo. Pode ser um mau árbitro ou um arbitro mau ou um arbitro que tenha feito uma arbitragem criticável. Porém, a crítica jamais poderá ser feita a quente pelos responsáveis do clube sem ser precedida de uma análise cuidada sob pena de a atiçar os adeptos podendo provocar reacções violentas ou tumultuosas, quando a oportunidade surgir. Casos de violência no desporto devem também ser apreciados sob este prisma.