domingo, 3 de janeiro de 2016

O discurso terminal do Presidente da República



Se algo de positivo e realista se pode extrair do discurso "fim-de -ano" do Presidente da República é a sua coerência ou seja, a verdade segundo Cavaco Silva. São "tempos difíceis", disse ele. E é verdade. Mas que país é esse, "o país real" que visitou de lés a lés? Marcado pela "pobreza e exclusão". Então a indagação sacramental impõe-se. E, quem os proporcionou?
Vejamos: Este discurso é proferido a um escasso mês que se segue à entrada em funções do governo chefiado por António Costa. As andanças pelo país e a situação a que o Presidente da República alude, só podem reportar-se ao governo antecedente, o do Passos Coelho. Assim sendo, os dizeres de Cavaco Silva, que nunca (ou raramente) se engana, só podem estar a referir-se ao governo que protegeu, quanto mais não seja por perfilhar a "política seguida das últimas décadas" inspirada pelos "valores da civilização ocidental". Aí está o Sr. Presidente da República em todo o seu esplendor a tentar justificar a sua própria política quando foi 1º Ministro e a inspiração com que orientou toda a sua acção política.  

Afinal com as atinências que fez, o que quis o Presidente da Republica transmitir aos portugueses? Provavelmente que a "sua" política e a que mais recentemente patrocinou eram as mais adequadas para o país. O que não pode todavia é dissociar essas políticas, das consequências económicas e sociais que o pais teve que arcar, a começar, pela dinâmica de austeridade, o desemprego, a crescente emigração particularmente de jovens, os escândalos do BPN, do BES e mais recentemente do BANIF, e sobretudo de uma dívida perante a UE que não para de crescer. Se são essas as características do país real, então a lógica demanda que estão irremediavelmente comprometidas as consequências da política das últimas décadas que o sr. Presidente tão convictamente propõe para o futuro do nosso país. A proposta porém, não chega para branquear o regime que o economista Cavaco Silva defendeu e seguiu (fujo a comparações) no seu 1º ministeriado, pela simples razão de que políticas de resultados escuros não se podem branquear, mesmo alegando uma legitimação eleitoral ou motivando artifícios para uma estabilidade governamental. Não é em vão que foi precisamente a propósito do governo do Passos Coelho e da Presidência de República prestes a terminar que se suscitou pela primeira vez a questão de afastamento ainda antes do termo da legislatura de um governo eleito ou da necessidade de uma alteração constitucional para a figura tipo "impeachment" de um Presidente da República.

Desafio a alguém que tire ilações diversas das que aqui indico. Ao tecer os considerandos supra não se pode concluir ou será errado tirar a ilação de que um regime político diverso como o iniciado por António Costa seja o melhor. O tempo o dirá.  De momento existe pelo menos o prenúncio - e as 1ªs medidas aprovadas assim o indicam - de um resquício de justiça social, anteriormente desconhecido..

Não me parece que a história fale do  "cavaquismo" como uma corrente que marcou a história de Portugal, desde logo porque lhe faltou originalidade ou iniciativa. O que deste ideário se pode dizer foi o realce do seu carácter seguidista, deleitado em generalidades e banalidades que caem bem na boca de um qualquer estadista, mas fica sempre um sabor amargo quando, tratando-se de países como Portugal, com uma economia grandemente dependente, o governante se coloca na mão de baixo à espera das orientações de grandes grupos económicos ou de países com economias avançadas. Eis porque, e salvaguardadas as distâncias, o procedimento político atribuído a Cavaco Silva, mais parece ter sido uma imitação, senão mesmo decalcado nas experiências de políticos como Margaret Thatcher e Ronald Reagan. Sucede simplesmente que as consequências, dadas a fragilidade económica de Portugal e a dinâmica do movimento laboral, não permitiram, que a mentalidade autoritária suplantasse a força de democracia.