quinta-feira, 4 de abril de 2013


DIREITO DE RESISTÊNCIA - Artigo 21º da Constituição:

Em 16.Março 2013, publiquei  no "Publico" -pg. 46 um artigo sobre o Direito de Resistência. Até que ponto terão os cidadãos que suportar as medidas que o Executivo vai adoptando, numa clara mostra de que nada o faz parar e com a garantia de que tudo virá a piorar?
E o tempo passou até que a 01 de Abril fui confrontado com uma srª jornalista do Público ( Clara Viana), que conhecedora do escrito me confrontou via telemóvel ( estava eu a regressar do Hospital de Luz onde havia ido buscar o resultado de uns exames da Deolinda) para um caso que no dia seguinte viria a ser a notícia dia. Tratava-se de um desempregado (Alcides Santos), há cerca de dois anos, sem subsídio de desemprego, que ia entregar ao Sr. Provedor de Justiça uma carta comunicando que ia deixar de pagar impostos (IMI,IVA e IRS), invocando o direito de resistência previsto no artigo 21º da Constituição, alegando que numa escala de valores a obrigação de não deixar passar fome aos filhos se colocava acima da sua obrigação como contribuinte. Tinha 49 anos, dois filhos em idade escolar ( o caso vem desenvolvidamente tratado na edição do Público do dia 02. de Abril). Anote-se que o Alcides restringiu a sua repulsa, aos impostos e não à prestação mensal da casa nem aos encargos escolares, o que dimensiona com clareza o ãmbito da sua resistência.

A minha opinião foi resumidamente expressa de seguinte forma "E o que pode fazer uma pessoa que é taxada por um imposto que não pode pagar, que é obrigada a cumprir o que não pode cumprir, senão resistir?" Perante o caso não faltou uma franja de juristas que logo se insurgiu entendendo que isto não podia ser já que o direito de resistência previsto no preceito constitucional apontava para uma violação de um direito, que não era o caso; ou, que o tal direito de resistência não abrange o direito ao trabalho ou ainda que o que estava em causa era o direito à resistência e não o direito de resistência; concluindo em suma, que o visado sujeito desempregado de nada podia valer senão pagar os impostos, sujeitando-se ás consequências não o fazendo.

Em jeito apreciativo este é um caso em que as opiniões são emitidas sobre situações que apesar de não conhecidads em todo o pormenor são suficientemente interiorizadas por fazerem parte do quotidiano, particularmente no momento de crise que o país atravessa. Mas o que mais espanta é a pronta reacção de alguns que longe de procurarem compreender o caso real da vida subsumindo-o  à lei vigente, visam antes estabelecer o dogma para depois condicionar e ajustar o acto à previsão deste, do que resulta ficarem de fora os reais contornos e pressupostos do acto que afinal marca a essência do acontecimento em si. Dito de outro modo, juristas há que aparentemente repudiando o dogmatismo, afirmando-se defensores de um realismo normativo acabam por ser predominantemente conceitualistas. Senão vejamos:
 - A que título se fala do direito ao trabalho se tal nem sequer foi reclamado pelo referido Alcides? O que este fez vingar é que se encontrava numa situação de de punúria, esta que não fora provocada por si, e que o próprio Estado reconhecendo o estado de indigência, atribuíu-lhe um subsídio de desemprego para cobrir os seus deveres vivenciais, retirou-o posteriormente do que resultou  ficar privando de satisfazer os seus deveres como cidadão;
 - A que título se fala de que o pagamento de impostos não constitui uma ordem que ofende os direitos dos indivíduos, nem uma força que deve ser repelida, quando esta questão nem sequer foi suscitada pelo Alcides e é ele próprio quem reconhece "que sempre cumpri, e queria cumprir mas agora tenho de optar ....";
 - A que título vem à baila o preciosismo da distinção entre o direito à  resistência - uma categoria abstracta de sentimento humano, que nada tem a ver com uma realidade que estava aí em campo e que era efectivamente o direito de  resistência perante uma situação da vida real - a de querer ser um cidadão normal, de não puder satisfazer com os compromissos assumidos, de querer pagar o devido, mas sem puder.  De que valeria reconhecer-lhe o direito à resistência sem ter o direito de resistência?

O caso de Alcides Santos agitou indelevelmente as águas. Muitos se agitaram, uns com razão outros sem ela. O que é preciso é que mesmo numa crise, deixemos as águas cristalinas.

   



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